quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Vermelho

Nós fizemos sexo ontem à noite. 2013 e eu. Ela colocou os lábios no meu pau manchando-o de batom barato que comprou na 25 de Março. A recessão é foda, disse. E depois não lembrei mais nada.

Desde Outubro tinha ganas de matá-la. Mas desisti quando percebi que, ao contrário de 2011, não a encontraria tão facilmente. Então, ela veio até a mim. Vestindo vermelho, sedutora, sem um pingo de culpa, me chamando pelo nome.

Faltando um mês para morrer, não estava na mesma forma quando a vi em fevereiro, quando apareceu em meu aniversário de trinta e dois anos com a beleza mais perfeita que vi: cabelos ondulados, uma camiseta que ressaltava o tamanho de seus seios e uma saia – depois de muitos meses, descobri chamar-se plissada e que reproduz o estilo das saias das colegiais americanas, fantasia de muitos homens adultos – que exibiam as pernas como poesia.

Me encontrei com os últimos cinco anos, mas ainda não sabia como se arquitetava o nascimento de cada um. Descobri que eram capazes de escolher como nascem – masculinos, femininos ou híbridos; determinar em que fase da vida, em comparação ao desenvolvimento humano, surgiriam – recém nascidos, jovens, adultos; e o período de envelhecimento entre janeiro a dezembro. Motivo que me deixou espantando ao rever 2011, nascido como uma criança de cinco anos, velho e trocando as palavras perto do nascer do ano seguinte.

A plena juventude foi a escolha egocêntrica de 2013. Em dezembro, a beleza escorria pelos poros: os seios falharam na gravidade; na cintura evidenciava-se um pequeno acúmulo, que não a deixava menos irresistível; sofreram as pernas. Não produziam a lembrança de si mesma em fevereiro, caminho ideal para traçar os lábios.

Quando ela ficou nua para mim, as mãos mantiveram-se retesadas frente ao corpo. Ela sabia que o tempo lhe fora agressivo. A vida curta de trezentos e sessenta dias maltratou-a violentamente. Chamou-se de bruxa.

Estive apaixonado por 2013 até meados de junho. Quando sofri um viés e, se sobrevivi, foi graças a minha própria vontade e esforço. Em setembro, imaginei matá-la, como fiz com 2009, vinte e cinco dias antes do término do ano, afogando-o em um prato de sopa. Tentei procurá-la em outubro, mas não sabia como ela estaria na ocasião e nem mesmo como encontrar um dos anos mais fugidios que vivi.

Ao contemplá-la nua, antes do sexo, antes do batom barato em meu corpo, perdoei-a. Perdoei de corpo e alma. Por causa daqueles olhos amedrontados de vida; por causa daqueles olhos inseguros, necessitando de carinho, perdoei.

Na nudez, contemplei seus medos: a dor de morrer sozinha como todos; a ciência de se tornar uma lembrança sem que ninguém recordasse de fato. Um desencontro que demonstrava o quanto ela estava perdida, como eu.

Fizemos sexo como libertação. Horas depois, deitada em meu ombro, com minhas mãos acariciando os cabelos lisos e descoloridos, sussurrei baixinho te perdoo em seus ouvidos enquanto ela dormia profundamente. Dormia um sono profundo de que nunca conheceu acalanto. Eu perdera a razão, perdera os motivos, a raiva de sufocá-la com minhas mãos.

Na manhã seguinte fiz café, trouxe pão e um bolo. Ainda nua, apareceu na cozinha e sentou ao meu lado. A ponta disforme do seio tocou em meu braço e quase achei graça. A claridade do dia arranhava ainda mais sua imagem. E 2013 saboreou seu café como uma criança, degustando o pão e passando excessivamente manteiga em mais uma fatia.

Nos despedimos logo após o café. Ela, onipresente, agradeceu-me. Reconhecendo implicitamente que foi ao meu encontro para assistir seu fim antecipado. Para não ver si mesma dando os últimos suspiros nos fogos de Copacabana. Cuspindo sangue enquanto outro ano, que ainda não sabia se homem, mulher, híbrido, novo, velho, nasceria.

Nossos olhos se cruzaram pela última vez. As mãos ainda dadas. Tentei um beijo que ela desarmou com um passo para trás. Ela não mais me queria porque eu não pude matá-la.

Tenha um bom fim de ano, me disse, amarga. E seguiu caminhando rumo ao nada enquanto meus olhos a observaram até a imagem do vestido vermelho desaparecer de minha visão.

Você também, sussurrei a ninguém.

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